quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Coisa de Vó!

São eles!

Vendo uma matéria na TV sobre peteca, me veio no peito o sentimento de SAUDADE. Isso mesmo, saudade. Uma saudade que não sentia há algum tempo. Saudade da Minha Avó que faleceu há alguns anos. Sempre que me perguntam uma boa lembrança que tenho de vida, penso nela e de como éramos felizes quando visitávamos seu sítio, que ficava na cidade de Nerópolis, interior de Goiás. E o que tem a ver peteca com minha avó? É que minha Avó foi a primeira pessoa que me fez ter contato com esse brinquedo, e antes disso, eu nem imaginava do que se tratava.

Minha Avó foi a primeira pessoa a me ensinar a brincar e o melhor a fazer a minha própria peteca. De um jeito muito peculiar, simples e bonito. Lembro de quando sentamos lado a lado no degrau da escada de um antigo deposito de grãos, ela com alguns materiais na mão que a princípio não me fizeram muito sentido, mas quando aquela voz rouca, porém suave me disse que íamos fazer uma peteca, já não me importava mais o sentido. Logo o sorriso inocente da criança aqui se estendeu de orelha a orelha e os olhos brilhavam, imaginando como faríamos tal façanha. E foi assim nesse ambiente caseiro de roça, acolhedor, que ela começou a minha primeira aula de artesanato.

- Primeiro você precisa achar uma caixinha de fósforos vazia.

Ela tinha o costume de jogar no quintal, quando os fósforos acabavam, a caixinha. E lá ia eu procurando por aquele quintal enorme um caixa de fósforos que já não estivesse deteriorada pela chuva. Hoje eu sei que ela utilizava desse artifício para tornar a tarefa mais divertida, além de fabricar um brinquedo, também parecia uma caça ao tesouro.

- Achei vovó!

Que lembrança boa ver o sorriso dela se divertindo com a minha caçada. E a aula continuava.

- Agora vamos precisar de um pouquinho de areia.

- Pra que vovó?

- Pra poder fazer peso e a peteca voltar pra sua mão, se não quando você bater, com a sua força ela vai ficar voando pelo céu. É só colocar a areia dentro da caixinha.

- Pronto!

- Agora vamos precisar cobrir a caixinha com uma coisa bem macia pra não machucar sua mão, e ao mesmo tempo firme, pra poder encaixar as penas depois.

- E o que vamos usar vovó?

- Ta vendo aquelas espigas de milho secas ali?

- “Aham!”

- Vamos usar a palha, e enquanto eu vou depenar o frango pro almoço, você retira a palha, igualzinho quando seu avô debulha o milho pro porco.

- Tá bom vovó.

Enquanto estava ali limpando o milho das palhas, ouvia-se o “grunhido” do frango sendo esgoelado, mas ela nunca me deixou participar dessa etapa do processo. As penas sempre chegavam limpas e esbeltas para a parte final da montagem do brinquedo. Talvez naquele momento ela não quisesse me fazer lidar com a morte, talvez eu não estivesse preparado para saber que para minha diversão, alguns sacrifícios deveriam ser feitos. Ironicamente, foi com ela mais tarde que aprendi a entender a morte e lidar com ela.

- Já terminou com o milho Vinícius?

- Já!

- Então de recompensa eu trouxe as penas pra você enfeitar sua peteca.

- Vovó, e agora, o que eu faço?

- Agora nós vamos embrulhar a caixinha com a palha que você descascou do milho. Assim... Pega uma palha grande e envolve na caixinha, pega outra e envolve a parte que ta faltando, até ficar bem macio. Depois é só juntar as pontas de um lado e amarrar com esse barbante.

- Assim vovó?

- Assim mesmo! Muito bem, agora deixa a vovó cortar as pontinhas que sobraram.

- Me deixa cortar vovó?!

- Não. Você é muito novo pra mexer com tesoura, e se o senhor cortar a mão, como vai jogar peteca depois hein?

E ela carinhosamente, delicadamente, cortando as pontinhas da palha seca, pra poder finalizar.

- Pronto. Agora pega as penas e vai espetando aqui onde cortei a palha, por isso tem que amarrar bem forte, pra poder segurar as penas e não cair depois.

E eu perdia mais alguns minutos caprichando ali nos retoques finais, claro que ansioso para sair e brincar com os primos, mas querendo aproveitar um pouco mais daquele ar envolvente de aconchego de Vó.

Terminei de colocar as penas e fiquei maravilhado em como coisas tão simples, podia se tornar um brinquedo tão lindo. Aquele primeiro ainda mais especial, que ela me arrumou uma pena verde, que havia caído do papagaio que ela tinha de estimação, e até hoje vivo.

- É assim que fica vovó?

- É assim mesmo! Ficou linda! Agora dá um beijo na vó pra eu poder ir terminar o almoço.

"SMACK"

- Agora vai brincar que daqui a pouco eu chamo pra vir comer!

- “Brigado” Vovó! - Já saindo em direção ao quintal e gritando pelos primos.

Incrível como um simples brinquedo e uma matéria pode recobrar lembranças tão boas de uma época melhor ainda. Talvez fossem essas lembranças, que me fizeram chorar e entender pela primeira vez a dor de perder alguém. Ainda era um menino quando ela se foi, e talvez meu choro no seu velório fosse apenas de saber que nunca mais faria uma peteca ao seu lado. Mas eu paro e penso quem foi que disse que uma peteca não pode marcar uma pessoa pro resto da sua vida em seu coração?

(ps: claro que o carinho, paciência, amor, quitandas, receitas, histórias... ajudaram e muito também.)

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